Admirável Chip Novo
Pitty, 2003
Álbum de estreia da cantora já demonstrava suas referências musicais e literárias, e segue com letras atuais, mesmo depois de duas décadas de seu lançamento.

Por Diego Olivares

Publicado em 15 de fevereiro de 2024 às 14:41

Onde escutar

O ano era 2003 e o cenário de novidades no rock nacional vinha sendo dominado por bandas masculinas, muitas delas repetindo letras com poucas variações sobre amores perdidos. Bandas como CPM 22, Nx Zero, Detonautas surgiam misturando um toque de hardcore na melodia com versos direcionados a quem vivia uma paixão platônica, dor de cotovelo e situações do tipo. De repente, apareceu uma garota para colocar fogo no parquinho.

Quando os primeiros acordes de “Máscara” soaram nas rádios - que na época vivia os últimos anos de influência massiva no público, antes do surgimento de Spotify e congêneres - já era possível notar que algo diferente estava acontecendo ali. O tom pesado, com um pé no heavy metal, não fazia da música uma escolha óbvia para uma música de trabalho. Mesmo assim, foi a aposta da cantora para seu cartão de visitas. “Seja você, mesmo que seja estranho”, como dizia o refrão. Pitty chegou com o pé na porta, ocupou seu lugar no Rock BR e não saiu mais.

O nome do seu álbum de estreia, Admirável Chip Novo, inspirado no clássico da ficção-científica escrito por Aldous Huxley, já apontava as referências da cantora. Ela queria discutir questões existenciais, filosóficas e sociais. “O Lobo”, uma das faixas do disco, era inspirado pela famosa frase do pensador inglês Thomas Hobbes que via no comportamento humano o maior perigo para a humanidade (“o homem é o lobo do homem”). Já “Teto de Vidro”, a faixa de abertura, falava de algo que só viria a ficar pior com a explosão das redes sociais, alguns anos mais tarde: “Cada um em seu casulo, em sua direção / Vendo de camarote a novela da vida alheia / Sugerindo soluções, discutindo relações / Bem certos que a verdade cabe na palma da mão”.

Musicalmente, o álbum flertava com o new metal e o stoner rock, subgêneros em alta naquele começo de século XXI, mas nunca deixava de soar acessível. Havia espaço também para uma balada romântica, “Equalize”, que Pitty confessou ter alguma inibição de cantar nos primórdios da carreira. Mais de duas décadas depois, qualquer traço de timidez ficou para trás, como provaram as performances da turnê em que a cantora comemorou os vinte anos do lançamento de seu trabalho de estreia. Quando a música tocava nos shows recentes, ela tirava para dançar um dos câmeras, e toda a plateia por consequência.

Desde Admirável Chip Novo, Pitty abriu caminho para uma carreira sólida. Mais que isso, é já há algum tempo a única cantora brasileira de rock em atividade conhecida do grande público. Soube se renovar, dentro de um gênero que muitas vezes tem dificuldade em expandir os próprios horizontes.

A versão comemorativa do álbum, lançada em 2023, dá à medida de seu prestígio e também da sua preocupação em celebrar a diversidade de estilos musicais. Emicida, Ney Matogrosso, Sandy, Pabllo Vittar, Céu, Criolo e MC Carol são alguns dos artistas convidados para darem suas releituras às composições do disco original.

Sem panes no sistema, Admirável Chip Novo é daquelas obras que são muito mais do que o registro da época em que foi feita. É a própria essência de alguém que encontrou uma voz para dar vazão às inquietações de sua mente.

1 LIVRO, 1 DISCO, 1 FILME que dialogam com Admirável Chip Novo

Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley (1932)
Referência obrigatória não apenas por ter inspirado o título do disco, mas pelo cenário que descreve: um mundo de cidadãos anestesiados e estimulados a agir por inércia, encobertos por uma falsa sensação de felicidade. Tudo aquilo que Pitty chegava para combater.
Build Up, Rita Lee (1971)
Pitty chegou para herdar o trono de rainha do rock nacional, que antes fora ocupada por Rita. Relembrar o álbum de estreia da cantora paulistana é reviver sua potência.
Laranja Mecânica, Stanley Kubrick (1971)
Pitty tem uma tatuagem que remete ao filme no braço direito. A trama sobre um futuro distópico em que um grupo de amigos violentos é reprimido pela polícia impressiona e estimula gerações desde o lançamento.

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