O argentino Rodrigo Moreno faz um cinema que não tem pressa para desenrolar as histórias de seus personagens. Menos conhecido do grande público do que cineastas conterrâneos que ganharam fama entre os cinéfilos brasileiros por volta da virada do século, como Pablo Trapero (de Abutres), Juan José Campanella (O Segredo dos Seus Olhos) e Lucrecia Martel (O Pântano), Moreno ainda parece um nome restrito aos circuitos de festivais.
Talvez sua forma de filmar cause mesmo um estranhamento pelas longas sequências contemplativas e cenas que parecem desviar do centro de uma narrativa tradicional. Mas é também por isso que seus longas tendem a permanecer na memória por muito tempo. Ou melhor, não necessariamente as tramas e detalhes desses longas, mas as sensações que evocam.
Eu mesmo sou testemunha disso. Meu primeiro contato com a obra do cineasta foi na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em 2011, com a exibição de Um Mundo Misterioso, que fui assistir sem saber muita coisa sobre. Naquele filme, um sujeito é surpreendido pela namorada quando esta lhe pede um tempo. A partir daí, o cara passa a vagar no limbo daquela interrupção, sem ter uma companheira para voltar ou dividir seus dias. Ele vai a festas, encontra pessoas, tem conversas sem muito sentido. Nada de extraordinário acontece, e muitas dessas cenas eu confesso que já esqueci. Mas daquela sensação de ver um personagem vagar sem rumo eu ainda me lembro muito bem.
Só muitos anos depois vi O Guardião, de 2006, primeiro longa de Moreno. Nele, o protagonista é o segurança de um político influente. Trata-se também de exercício de observação, em duas camadas: o personagem passa a maior parte do tempo em tela observando seu protegido, na sombra e à margem do poder, e nós o observamos enquanto público. A postura fria e comedida do segurança só é quebrada no desfecho, que se torna mais impactante por ser impensável até aquele ponto.
Esse cinema que se incendeia de maneira lenta (ou “slow burner”, como é chamado o subgênero) é levado à perfeição em Os Delinquentes, o auge do cineasta até o momento. A sinopse parece sugerir um suspense eletrizante: Morán (Daniel Elías) rouba uma quantia milionária dos cofres do banco onde trabalha e pede ajuda ao colega de trabalho Román (Esteban Bigliardi), até então não envolvido no assalto, para cuidar do dinheiro. O combinado é que Morán se entregue à polícia, cumpra sua pena na prisão e, quando sair, os dois dividam a grana.
Existe toda uma filosofia por trás do ato criminoso de Morán. Ele acredita que três anos e meio de prisão - já considerando que terá a sentença reduzida por conta de bom comportamento na cadeia - não são nada perto dos quase trinta anos que teria que aguentar como funcionário do banco para conseguir juntar a mesma quantia, e só então poder se aposentar. E ele nem pensa em ter uma vida de luxos. Fez o cálculo exato da quantia necessária apenas para que possa viver uma rotina modesta, mas livre do compromisso de bater cartão todos os dias.
Qualquer pessoa que já tenha experimentado uma infelicidade permanente no emprego ficará tentado a se perguntar se é uma ideia tão esdrúxula assim.
Moreno faz questão de, com sua direção, frisar as semelhanças entre a prisão e o ambiente de trabalho burocrático. No banco, os dias parecem iguais, de cores apagadas, inclusive com os funcionários usando sempre as mesmas roupas. Na prisão há uniformes, protocolos rígidos e um tempo arrastado. É tudo tão semelhante que o diretor coloca o mesmo ator (German da Silva) para fazer o chefe da instituição financeira e também o chefe do crime, que extorque Morán assim que ele chega lá.
O jogo de duplicidades também está nos nomes dos protagonistas, que têm as mesmas letras em ordens diferentes, e de outros personagens. Não por acaso, há no começo uma cena com uma senhora que descobre ter exatamente a mesma assinatura de outra pessoa. Em Os Delinquentes, a vida é uma repetição que Moreno defende que seja quebrada, como ele mesmo faz na segunda metade de seu filme, onde a narrativa também se liberta de uma estrutura mais engessada, assim como sonham fazer seus anti-heróis.
O flerte com o suspense dá lugar a uma trama bucólica, sugerindo outra vida possível, com ritmo desacelerado e em contato constante com a natureza. Em entrevistas durante o lançamento do filme, o cineasta falou de sua preocupação em discutir o que fazemos com o tempo, muitas vezes vendido a uma ilusão de estabilidade capaz de aprisionar nossa alma em escritórios e funções que levamos em banho-maria. Questionar essa lei e escapar dela pode mesmo ser algo revolucionário.

