Garra de Ferro
Sean Durkin, 2023
Longa revela a devastadora dinâmica familiar do lendário lutador Fritz Von Erich, destacando sua paternidade tóxica e as consequentes cicatrizes emocionais. Uma narrativa intensa de laços que sufocam e tragédias que explodem.

Por Diego Olivares

Publicado em 7 de março de 2024 às 20:29

Onde assistir

Garra de ferro é o nome do golpe que era a marca registrada do lutador Fritz Von Erich, famoso nos ringues norte-americanos de luta livre durante as décadas de 1950 e 1960. Com a mesma “garra de ferro” com que castigava seus adversários, Von Erich conduzia a família, e esta é a principal história do filme dirigido por Sean Durkin.

Fritz e a esposa Doris tiveram cinco filhos, todos homens. O mais velho morreu ainda criança, eletrocutado. A tragédia foi fundamental para que a família passasse a acreditar que pairava sobre eles uma maldição, numa espécie de profecia autorrealizável que os irmãos carregaram a partir de então.

Garra de Ferro é um longa sobre laços familiares, sim, mas também trata de um tipo bastante específico de paternidade tóxica, cujo exemplo mais conhecido talvez seja Joe Jackson. O pai de Michael Jackson ficou famoso por impor aos filhos uma rotina rígida e violenta de ensaios, xingamentos e surras. Tudo em nome de um suposto perfeccionismo que garantisse ao Jackson Five um lugar entre os grandes da música. O modus operandi de Joe impediu o mundo de saber se o sucesso do conjunto seria conquistado mesmo sem as humilhações conduzidas em casa.

O controle que Fritz Von Erich (interpretado brilhantemente por Holt McCallany) impõe à sua prole tem mais de abuso psicológico do que físico, ao menos da forma como é retratado no filme. O pai tem uma fixação pelo título mundial, vitória que lhe faltou durante a carreira profissional, e cobra que os filhos alcancem o cinturão. Não importa nem mesmo que um deles prefira a música ao esporte, por exemplo.

Nesse lar tradicional de “cidadãos de bem” norte-americanos na virada dos anos 70 pra 80, onde as bíblias e as armas dividem espaço entre as paredes, há muito pouco espaço para o diálogo. Numa das cenas, um dos irmãos vai até a mãe dizendo que quer conversar sobre algo que lhe causa angústia. Ela o dispensa rapidamente, dizendo que conversar é uma função dos irmãos. A indisponibilidade para um diálogo franco, aberto, chama a atenção e vai cobrar seu preço.

Enquanto isso, o pai mantém um ranking entre os filhos para apontar quem é o favorito da vez. Tudo muito saudável, como você pode imaginar. Não à toa, forma-se um barril de pólvora que explode algumas vezes durante a trama, principalmente na segunda metade.

A escolha de Zac Efron e Jeremy Allen White (revelado como o chef de cozinha protagonista da série O Urso) para os papéis de Kevin e Kerry, os dois irmãos que recebem mais atenção do roteiro, é outro acerto de Garra de Ferro. Isso porque, mesmo sob os músculos que ganharam para interpretar os personagens, ambos os atores conservam uma inocência quase infantil no olhar. São meninos condenados a buscar a aprovação do pai por toda a vida, e ao mesmo tempo parceiros e cúmplices dentro daquela prisão metafórica.

Além de cineasta, Durkin é um fã assumido de luta livre. Mesmo assim, ele não hesita em deixar em segundo plano os combates em cima do ringue. Quem assistir ao filme esperando socos, pontapés e sangue será surpreendido por algo que pode ser até mais violento, mas não deixa marcas aparentes no corpo: os sentimentos reprimidos.

1 LIVRO, 1 DISCO, 1 FILME que dialogam com Garra de Ferro

A Grande Luta, Adriano Wilkson (2018)
Num registro que segue a tradição do jornalismo literário, o autor acompanha o cotidiano de Acácio Pequeno e seu sonho de chegar ao UFC. Uma história de sacrifícios, escolhas e suor.
Moving Pictures, Rush (1981)
A música “Tom Sawyer”, que abre o disco, é utilizada num momento-chave de Garra de Ferro. Simboliza não apenas a época em que a maior parte da trama se passa, mas também o tom épico com que os Von Erich se viam.
Cassandro, Roger Ross William (2023)
Um ambiente cheio de masculinidade tóxica, como costumam ser os bastidores da luta livre, pode comportar um atleta gay? O lutador mexicano interpretado por Gael García Bernal nessa produção mostra que sim, mas é preciso muita coragem.

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