Dizer que todo artista tem um pouco de louco é daqueles clichês que fazem até doer os ouvidos quando a gente escuta por aí. Porém, quando bem embasado, o aforismo pode render reflexões mais profundas sobre qual seria a tal relação entre as duas coisas, se é que existe. Em O Perigo de Estar Lúcida, a jornalista e escritora espanhola Rosa Montero investiga os possíveis pontos de contato entre a atividade artística e algum desvio do funcionamento considerado comum no cérebro.
Para escrever seu livro, ela lança mão de estudos científicos, causos sobre escritores famosos ao longo da história e sua própria experiência. Montero sofreu com ataques de pânico desde a infância e se descreve como uma Pessoa Altamente Sensível, condição que atinge cerca de 15% da população e faz com que alguém reaja mais intensamente a qualquer estímulo visual, sonoro, físico ou psicológico. Ela lembra, entre outros exemplos, de como vive constantemente imaginando cenários, situações, diálogos - muitos deles em que as coisas tomam rumos desastrosos, ao menos dentro de sua mente - durante ações rotineiras, como um simples passeio pelas ruas.
A escritora parece ter feito as pazes com sua posição. Mais ainda: sente que tem uma espécie de superpoder. “É como enfiar o dedo na tomada e receber uma descarga elétrica que, além de não te matar, ainda por cima ilumina o mundo com todas as cores existentes e outras tantas que você nem sequer pode nomear”, compara, num dos últimos capítulos. “A criatividade é uma viagem a outra dimensão”.
Ler O Perigo de Estar Lúcida enquanto alguém que trabalha com a criatividade é bastante instigante, mas também pode levantar algumas questões. Uma delas: “será que preciso aumentar meu grau de insanidade para atingir todo o meu potencial?”. Também faz pensar em qual é a proporção de desequilibrados que conseguem canalizar seus fantasmas para a arte em relação àqueles condenados a vagar numa espécie de limbo entre a sanidade e o comportamento maníaco, sem necessariamente transformar isso em arte.
De qualquer forma, é o livro de uma autora que defende de forma apaixonada e corajosa sua tese. Sem se preocupar com avisos sobre potenciais “gatilhos” aos leitores, a escritora fala francamente sobre depressão e também sobre suicídio, tema que inclusiva ganha um capítulo a parte, em que narra a morte da poeta Sylvia Plath. Provavelmente já prevendo que poderiam lhe acusar de glamourizar o assunto, Montero reforça no texto mensagens na tentativa de demover quem leia e possa considerar a ideia: “Aguente até que a situação mude, porque ela inevitavelmente mudará. Aguente nem que seja mais um dia”.
Montero mantém o tempo inteiro um pé nas trevas e outro na luz. Há diversas passagens que são sombrias e um tanto quanto engraçadas ao mesmo tempo, como naquelas que conta sobre uma relação com uma mulher que insiste em se passar por ela. Talvez seja uma metáfora sobre a nossa sombra que está sempre à espreita, talvez seja verídico. Fato é que esse tópico recorrente ajuda a amarrar algumas das pontas do livro.
O Perigo de Estar Lúcida tece uma tapeçaria complexa, entrelaçando os fios da arte, da loucura e da vida. É difícil não se identificar, pelo menos em alguma das páginas, com um ou mais aspectos apresentados. E questionar em como usar até mesmo aqueles momentos mais desafiadores da existência a nosso favor.